sexta-feira, 25 de maio de 2012

Depressão, tentativa de suicídio, isolamento: assim são os dias da escrivã Vanessa da Polícia Civil de São Paulo, ela foi despida na marra por um delegado

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Por Blog do Pannunzio

Sexta-Feira, 25 de Abril de 2012


O delegado Eduardo Henrique de Carvalho Filho  pode ser Expulso pela Polícia.

Foto: Isto É

Quando a porta da cela se fechou, minha vida acabou. Acabou naquele dia. Eles ofereceram um calmante. Um comprimido por dia. Eu fui guardando. Quando já havia muitos, tomei todos de uma vez só. Eu queria morrer”.



O depoimento cortante, entremeado por lágrimas doloridas, é da escrivã Vanessa Lopes, uma moça de 30 anos de idade que viu o futuro lhe fugir das mãos quando uma equipe da Corregedoria da Polícia Civil de são Paulo entrou na sala onde ela trabalhava para prendê-la sob a acusação de concussão.

A acusação que a empurrou para seu seu cubículo particular no reino de Hades foi a de cobrar propina para ajudar um motoboy, flagrado com munição em casa, a se livrar de problemas legais. O rapaz, um vida-torta com passagens anteriores pela polícia, queria que o pai fosse ouvido no inquérito em que ele fora indiciado.

O Blog do Pannunzio cobriu extensivamente o caso. Em nenhum dos documentos produzidos pela chamada Operação Pelada, que culminou com a prisão de Vanessa, há qualquer pedido de dinheiro. A rigor,  não há, no processo, nenhuma prova de concussão Mas é fato inquestionável que com ela foram encontradas quatro cédulas de R$ 50 previamente marcadas pela equipe da Corregedoria. A questão que se coloca, e que será objeto de julgamento na esfera criminal em quatro meses, é como esse dinheiro foi parar no cós da calça que ela vestia —  que foi arrancada na marra pelos delegados-corregedores.

No dia da prisão, 11 de junho de 2009, Vanessa estava trabalhando normalmente no Distrito Policial de Parelheiros, na Zona Sul de são Paulo. Tudo o que ela conversou com o motoboy está transcrito no processo — e não há nenhuma menção a dinheiro. O garoto, que havia informado ser seu pai o dono da munição, queria que ele fosse ouvido no inquérito. Foi à delegacia para buscar a intimação, no que foi atendido pela escrivã. Até aí, nada de anormal.

Antes de sair, segundo Vanessa, ele largou as quatro notas sobre a mesa. Aqui as versões da Corregedoria e da escrivã entram em conflito inconciliável. A polícia da polícia diz que o denunciante esteve lá apenas para acertar o suborno, pago a título de quê não se sabe. A escrivã o acusa de estar a serviço da Corregedoria na preparação do flagrante que, não fosse pela missão conferida pelos investigadores ao investigado, jamais teria ocorrido.

Vanessa diz que ficou atônita quando viu o dinheiro sobre a mesa. Teria pego as quatro cédulas para entregar ao delegado-titular do 25º Distrito Policial. Foi presa na porta da sala do chefe, que não estava nas dependências da delegacia, dois minutos após a saída do motoboy, numa cena que ela descreve assim:

“Eu não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo comigo. Eu estava saindo do corredor onde fica a sala do titular. Ia entregar aquele dinheiro pra ele porque não sabia o que fazer. O chefe disse que ele havia saído para uma diligência. Tanto que fui abordada em frente à sala dele. Pra mim era surreal. Eu gritava pra eles: não sei o que acontecendo…”.

É possível que jamais se saiba ao certo se Vanessa recebeu o dinheiro para prestar algum serviço para o motoboy ou se ele plantou o dinheiro ali seguindo ordens dos corregedores na preparação do flagrante. As cenas que se seguiram, no entanto, tornam esse detalhe irrelevante para justificar a violência que os delegados empregaram contra ela.

Vanessa foi algemada e despida na marra. Quem fez o serviço sujo foi o delegado  Eduardo Henrique de Carvalho Filho. Apesar da presença de uma policial da Guarda Civil Metropolitana na sala, ele desprezou acintosamente o que determina o Código de Processo Penal e impediu que sua presa fosse revistada por uma mulher.  Preferiu impor a humilhação de arrancar a calça e a calcinha da escrivã diante de uma câmera da Corregedoria e de uma grande platéia masculina. As imagens foram reveladas em primeira mão por este Blog e pela Rede Bandeirantes.

Veja o Vídeo:



Horas depois, a porta da cela se fechava nas costas de Vanessa enterrando-a numa depressão enorme. O futuro ficou do lado de fora. Talvez para sempre. Ali ela permaneceu um mês, período gasto quase  integralmente na preparação da própria morte. Que só não aconteceu porque as colegas de cárcere a encontraram desfalecida ainda em tempo da desintoxicação feita no Hospital de Pirituba, na Zona Norte de São Paulo.

Um mês depois,  foi libertada pela generosidade de seu primeiro advogado, Asdrúbal Pedroso, que pagou do próprio bolso a fiança. Estava dez quilos mais magra. Muito abatida, não teve força para retomar a rotina.

Apesar de ter concluído o curso de direito,  jamais prestou o exame da OAB porque não consegue se concentrar em nada. Tentou estudar para um concurso público até ser advertida  de que, mesmo que fosse aprovada, jamais tomaria posse porque fora demitida a bem do serviço público.

Imersa na depressão, Vanessa acabou perdendo o companheiro com quem vivia até o ano retrasado. Ficou sem trabalho, sem seu marido e sem dinheiro. Passou a viver da ajuda da avó que a criou e de alguns amigos. E da generosidade de gente como os advogados que a assistiram sem cobrar nada porque foram seus professores. Fábio Guedes da Silveira a representa até hoje. Nunca cobrou um centavo.

A penitência de Vanessa só poderia ficar mais complicada se acontecesse uma coisa: engravidar. Aconteceu quatro meses atrás .

E quanto ao pai da criança? “No começo…”, diz Vanessa,  ”…no começo, o pai da criança não aceitou, desapareceu. Agora foi se reaproximando, já passa algum tempo conversando comigo…  Ele já está conversando!”

Ao longo desse três anos ela seguiu aprendendo lentamente o  significado mais perverso da palavra abandono. As primeiras experiências práticas desse duro aprendizado ocorreram quando ela passou a recorrer a gente de muito prestígio — e pouquíssima boa vontade — para tentar denunciar o caso. Deu tudo errado.

“Passei um ano sozinha até que isso fosse divulgado. Procurei um monte de políticos, mas ninguém quis me ajudar. Depois, um monte de gente quis aproveitar o embalo”. Entenda-se por embalo a popularidade deletéria que ganhou quando o caso foi publicado aqui no Blog do Pannunzio e na Band pelo repórter Sandro Barboza.

Popular, sim, mas da pior maneira. E passou rápido pois, logo depois, Vanessa foi abandonada de novo em sua fossa existencial.  E também judicial. Não fosse por isso, pelo abandono, Vanessa  já poderia ter encerrado — para o bem ou para o mal — a batalha que trava para provar que é inocente da acusação de concussão. Poderia ter sido julgada, estaria condenada ou absolvida. Mas os amigos que iriam depor em seu favor, colegas da delegacia que testemunharam a prisão, não compareceram ao Forum.

“Eu chorei bastante porque não conseguiu resolver na última audiência. Eu estou passando uma gravidez sozinha. O caso só vai ser resolvido quando eu estiver com oito meses de gravidez. Eu só queria que acabasse logo, mesmo não sabendo qual vai ser o resultado”, lamenta entre soluços.

A única coisa que parece dar vigor à ex-escrivã é acompanhar o modorrento arrastar dos vários processos que decorreram do caso. Um deles corre em instância administrativa e diz respeito ao futuro imediato dos delegados que a prenderam daquela forma. “Eu não consegui perdoar. Acho que ser mandada embora é uma coisa. Mas o que eu passei, nenhum homem aguentaria. O que eu passei eles não aguentariam passar”.

Não é à privação da liberdade nem à perda do emprego que ela se refere. É ao sofrimento moral que teve que enfrentar ao ser exposta daquela forma,  subjugada, despida e humilhada. Para isso simplesmente não há reparação possível.

Seu único sonho hoje é o de se reintegrar à polícia. Antes, precisa ser absolvida e obter da Justiça a anulação do ato do secretário de segurança que a demitiu.Acha que isso iria reabilitá-la moral e espiritualmente. Ma o atual secretário, Antônio Ferreira Pinto, é durão. Já foi obrigado a reintegrar policiais injustiçados e voltou a demiti-los.

Enquanto não consegue — talvez não consiga nunca — aferra-se a uma igreja e em busca de explicações cármicas para o que está lhe acontecendo. Não encontrou ainda, mas segue buscando, agora na condição de devota fervorosa.

Pelo menos é um conforto.
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Author: verified_user

2 comentários:

  1. Mesmo que seja culpada do suborno, considerando o sofrimento que já passou, considerando o não sofrimento da maioria de corruptos deste país que nunca são punidos, eu se fosse o juiz, absolveria a moça.

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  2. Mesmo que seja culpada do suborno, considerando o sofrimento que já passou, considerando o não sofrimento da maioria de corruptos deste país que nunca são punidos, eu se fosse o juiz, absolveria a moça.

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