sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Juiz quebra sigilo telefônico de jornalista que escreveu sobre desvios no BB

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Sexta-Feira, 02 de dezembro de 2016

Para Lamachia, quebrar sigilo de fonte é atacar direito de a sociedade se informar. 

Mais uma vez uma decisão judicial busca quebrar o sigilo de fonte, prerrogativa constitucional do jornalismo. O juiz Rubens Pedreiro Lopes, do Departamento de Inquéritos Policiais de São Paulo, determinou a quebra do sigilo de dados telefônicos da jornalista Andreza Matais, por reportagens que ela publicou no jornal Folha de S. Paulo, em 2012, mostrando movimentação atípica de R$ 1 milhão identificada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A investigação que originou a quebra do sigilo foi aberta a pedido do ex-vice-presidente do Banco do Brasil Allan Simões Toledo, citado na reportagem. O juiz atendeu a provocação do delegado da Polícia Civil de São Paulo Rui Ferraz Fontes. Além disso, a promotora Mônica Magarinos Torralbo Gimenez concordou com a medida. Antes, segundo O Estado de S. Paulo, veículo onde Andreza trabalha atualmente, outros três integrantes do Ministério Público já haviam opinado contra a solicitação em três ocasiões.

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Claudio Lamachia criticou a decisão e, por meio de nota oficial, afirmou que violar a proteção constitucional dada ao trabalho da imprensa significa atacar o direito que a sociedade tem de ser bem informada. "É inaceitável a violação do sigilo de uma jornalista com a finalidade de descobrir quais são suas fontes. Isso representa um grave ataque à liberdade de imprensa e à Constituição, que é clara ao proteger o direito do jornalista de manter sigilo a respeito de suas fontes. Não se combate o crime comentando outro crime”, ponderou Lamachia.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo também divulgou nota criticando a quebra. "É com indignação que a Abraji vem, mais uma vez, lembrar a membros da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário que o sigilo da fonte é uma garantia constitucional (artigo 5º, inciso XIV) e não pode ser violado. A Abraji repudia a decisão de Lopes e roga à Justiça que a reverta, cumprindo a Constituição Federal e observando o Estado democrático de direito em que o país ainda vive", escreveu a entidade.

Em sua decisão, Pedreiro Lopes relembra que o sigilo de fonte é um direito constitucional, mas relativiza dizendo que esses institutos não podem acobertar a prática de ilícitos. “A restrição imposta aos direitos ao sigilo telemático foi justificada pela necessidade em se combater a prática de ilícitos penais, tratando-se de medida judicial em processo preparatório imprescindível à colheita de provas necessárias à instrução da investigação criminal”, escreveu o juiz. 

Sem medo e amarras 
O ataque à imprensa por meio da quebra do sigilo de fonte tem se repetido no Brasil. Em outubro, o jornalista Murilo Ramos, da revista Época, teve seu sigilo telefônico quebrado em decisão da juíza Pollyanna Kelly Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília. A medida foi adotada para apurar quem passou à revista um relatório preliminar de pessoas suspeitas de manter dinheiro irregularmente no exterior.

No mesmo mês decisão foi cassada pelo desembargador Ney Bello, do no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que disse: “O dever de investigar atos ilícitos praticados por terceiros não tem mais peso constitucional que o direito a um imprensa livre. Se é certo que a sociedade precisa de segurança jurídica, também é certo que precisa de uma imprensa sem medo e amarras”. 


Advogados contestaram a decisão do juiz. Para o criminalista César Caputo, do Nelson Wilians e Advogados Associados, estamos vivendo grave, gradual e inconstitucional violação de direitos e garantias individuais e coletivas que a humanidade conquistou nos últimos séculos. “Refiro-me aos princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, da presunção da inocência, do in dubio pro reo, das prerrogativas dos advogados e da inviolabilidade do direito à fonte. Tal escalada de violações tem como base o combate à corrupção, mas nenhum combate a corrupção se dá cometendo-se ilegalidades e arbitrariedades.”

Para Gustavo Neves Forte, coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP), a Constituição Federal assegura o direito à informação jornalística, garantido o sigilo da fonte. “Por isso, o jornalista tem o direito-dever de resguardar a fonte de suas reportagens, podendo manter-se silente em relação a eventuais questionamentos sobre o assunto. A quebra do sigilo telefônico de um jornalista com o declarado afã de identificar-se a fonte de uma reportagem mostra-se ilegal, na medida em que afronta a Constituição, constituindo inegável embaraço à plena liberdade de informação jornalística.”

Também criminalista, Daniel Gerber acrescenta que "a interceptação telefônica somente pode ser decretada contra aquele que, de qualquer forma, pratica ou é suspeito de praticar crimes punidos com reclusão. Por tal motivo, autorizar tal quebra em caso distinto é afronta ao comando legal e, consequentemente, verdadeiro abuso do poder jurisdicional".

Jornalistas em risco
O caso se soma a uma lista de ações que criam embaraço ao exercício do jornalismo. No início do ano, três repórteres, um infografista e um webdesigner da Gazeta do Povo, do Paraná, sofreram 41 processos em 19 do estado por juízes e promotores que se sentiram ofendidos com a divulgação de reportagens que mostravam o pagamento de remuneração acima do teto do funcionalismo.

Em ação coordenada, todos os pedidos foram idênticos, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que somam R$ 1,3 milhão. De acordo com a Gazeta, os pedidos são sempre no teto do limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Como corre no juizado, a presença dos jornalistas em cada uma das audiências se torna obrigatória. As ações foram suspensas no Supremo pela ministra Rosa Weber — o mérito da ação ainda não foi julgado.

O Diário da Região, de São José de Rio Preto, e seu jornalista Allan de Abreu também tiveram seus sigilos telefônicos quebrados por ordem da 4ª Vara Federal da cidade. O objetivo era descobrir quem informou à imprensa detalhes de uma operação da Polícia Federal deflagrada em 2011. A decisão foi suspensa liminarmente pelo ministro Ricardo Lewandowski. A liminar foi cassada por Dias Toffoli, e um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes suspendeu o julgamento da ação ajuizada pela Associação Nacional dos Jornais.

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