sábado, 9 de julho de 2022

Em apenas um ano, prefeitura de Santa Quitéria do Maranhão "fez" mais testes de HIV que São Paulo

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Prefeita Samia Moreira é esposa de Neto Carvalho, ex-prefeito de Magalhães de Almeida e pai do atual prefeito de São Bernardo, João Igor. Foto/Divulgação

As graves irregularidades identificadas pela reportagem de autoria do jornalista Breno Pires, publicada nesta edição de julho da  Revista Piauí sob o título Farra ilimitada, expuseram o Maranhão novamente de forma negativa na imprensa nacional. As informações são do Blog do Domingos Costa.

Com população estimada em 25 mil habitantes, no ano de 2019, Santa Quitéria do Maranhão tinha um limite de 280 mil reais em assistência ambulatorial segundo dados do Ministério da Saúde, que, no ano seguinte, disparou para 4,6 milhões.

“Aumentos assim, de dez a vinte vezes em apenas um ano, é algo que nunca vi”, espanta-se Maria Angélica Borges dos Santos, professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. Ela explica que quedas abruptas até acontecem, quando quebra um aparelho, por exemplo. Mas saltos assim, não.

Cruzando dados dos relatórios de atendimentos médicos no SUS, a revista piauí encontrou a explicação para a disparada dos tetos: as prefeituras estão apresentando números fictícios de serviços de saúde.

– 3.101 exames de HIV

Santa Quitéria do Maranhão, por exemplo, parece ter se tornado uma incrível máquina de consultas, testes de sangue, exames de fígado e – recorde nacional – testes de HIV. Os números que a prefeitura informou ao SUS:

= 96,8 mil atendimentos de urgência por médicos especializados em 2020, o que equivale a quase quatro atendimentos por habitante, um padrão nórdico. Em 2019, um ano antes, o número de atendimentos especializados foi zero.

= 45,2 mil consultas médicas – um ano antes, nenhuma.

= 49 mil dosagens de colesterol (quase duas por habitante) e 52,8 mil exames para identificar lesões no fígado (mais de dois por habitante).

= 59,8 mil eritrogramas (um tipo de exame de sangue) que Santa Quitéria do Maranhão nunca fizera antes, nem voltou a fazer no ano seguinte. Apenas três cidades brasileiras fizeram mais eritrogramas que Santa Quitéria.

E, por fim, o dado mais espantoso:

=3.101 exames Western Blot, usados para confirmar diagnósticos de infecção pelo vírus HIV. Com seus 25,8 mil habitantes, Santa Quitéria do Maranhão conseguiu bater a cidade de São Paulo, que, com 12,4 milhões de habitantes, realizou 2 976 testes do tipo.

– Dinheiro aumentou, saúde piorou e gerou morte

A cidade de Santa Quitéria do Maranhão que inflacionou tanto os números que passou São Paulo em exames do vírus HIV, conseguiu o que queria em 2021: recebeu o teto de 4,6 milhões de reais. O inusitado é que, em vez de promover uma virada na saúde, os serviços médicos desabaram. Em vez dos 847 mil procedimentos do ano anterior – o número que serviu para explodir o teto –, os atendimentos caíram para 136 mil.

As consultas com especialistas diminuíram sete vezes. Os atendimentos de urgência caíram 3,5 vezes. Com tanta redução, o gasto do município caiu para 887 mil reais, um quinto do ano anterior.

A lavradora Carlete Silva, de 23 anos, sentiu o descalabro da pior forma possível. Ela deu à luz às três da madrugada do dia 25 de maio. Gael nasceu com 2,8 kg no Hospital e Maternidade Municipal Dr. Zeca Moreira, o único de Santa Quitéria. Mas, logo depois do parto, o bebê apresentou sinais de desconforto respiratório.

“Ele todo roxo. Eu falei para a enfermeira: isso não está normal, não”, conta Sara Silva, avó de Gael. No hospital, não havia pediatra, nem incubadora, nem uti. Depois de oito horas sem conseguir estabilizar o recém-nascido, a equipe do hospital decidiu transferi-lo, mas não havia ambulância com uti móvel e, para piorar a carência, o hospital regional, localizado na cidade vizinha de Chapadinha, tampouco tinha uti neonatal.

Gael morreu enquanto era transportado para um hospital em Parnaíba, já no estado do Piauí, a cerca de 140 km de Santa Quitéria. Francisco Edson, o pai, acredita que faltou assistência médica e até hoje não se conforma com a demora do hospital em transferir seu filho para um lugar com mais recursos.

Carlete quase culpa a si mesma. “Se eu tivesse tido ele em outro lugar, com UTI, essas coisas, talvez ele tivesse sobrevivido.” A Secretaria Municipal de Saúde, com o caixa supostamente abarrotado de dinheiro com a queda abrupta dos atendimentos, comprou uma incubadora dias depois da morte de Gael. Uma incubadora custa menos de 40 mil reais.

Situação idêntica ocorreu no município de São Bernardo, onde João Igor, do PDT, é genro da prefeita Samia Moreira. A cidade situada na divisa com o Piauí, pulou de 720 mil reais para 4,2 milhões.

– Fraude na regra

Em 2015, mediante uma mudança na Constituição que tornou obrigatório o pagamento das emendas orçamentárias individuais, os deputados e senadores passaram a ter o direito de mandar verbas da saúde para os municípios de sua escolha, mas com um limite: o valor das remessas não pode ser superior à quantia que o município informou ter gastado no ano anterior. Como então os parlamentares fazem emendas tão polpudas para cidades maranhenses? Conferindo os dados do Departamento de Informática do SUS (DataSUS), a piauí identificou que os municípios estão informando que seus gastos tiveram um salto de um ano para o outro, o que eleva o teto do que podem receber no ano seguinte.

A análise dos relatórios de atendimentos enviados ao SUS mostra que as cidades do Maranhão dobraram seus números entre 2018 e o ano passado. É o único estado em que isso aconteceu. Com dados tão inflados, as cidades do Maranhão, sozinhas, estão recebendo mais recursos para a saúde do que o destinado a outras unidades da federação.

Pela geografia financeira e política, o esquema é uma conexão direta entre Brasília e as cidades do interior do Maranhão. No nível municipal, montou-se uma máquina de exames e consultas fantasmas, listando serviços de saúde que as prefeituras, na verdade, jamais prestaram. No nível federal, abastecendo o esquema com milhões de reais, está o orçamento secreto, aquele instrumento que o governo de Jair Bolsonaro criou para comprar o apoio no Congresso, principalmente dos integrantes do Centrão, o núcleo mais fisiológico do Parlamento.

LEIA A ÍNTEGRA DA REPORTAGEM DA REVISTA, AQUI!
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