sexta-feira, 23 de setembro de 2016

AO JUIZ POSITIVISTA. OU: ANTÍGONA E A JUSTIÇA.

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Almir Moreira, Advogado 

Sexta-Feira, 23 de setembro de 2016

A lei não pode e não deve ser empecilho para a realização da virtude, motivo pelo qual sem essa condição seu sentido fica comprometido.

Assim, a norma jurídica, para ser considerada genuinamente um valor, um bem, exige que se respeitem a realidade e a ordem moral das coisas. Por ex.: se a lei liberasse o aborto; se a lei liberasse o casamento homossexual; se a lei liberasse o infanticídio; nestes casos, iriam contra a “ratio legis”. São Tomás de Aquino, na esteira de Aristóteles, encerra: “a lei é regra da reta razão, que se ordena ao bem comum”.

Ora, quando a lei não se orienta ao bem comum e não preserva um fim pedagógico, resta claro o sacrifício da sua natureza ontológica.

lei e justiça são a mesma coisa? Até hoje esse tema ocupa muita gente e já produziu muito papel e muito cuspe na tentativa de findá-lo; considero que, desde o clássico Antígona, de Sófocles, isso foi resolvido: justiça supera a lei, transcende, está para além da lei. O que queria Creonte, um dos personagens dessa tragédia grega, feria a ordem da razão, ia de encontro ao bom costume e à realidade, embora sua péssima vontade estivesse acobertada pela norma legal. A lei aplicada secamente nem sempre alcança a justiça.

Do mesmo modo, as decisões judiciais, para serem justas, precisam levar em conta essa mesma condição: realizar justiça. Afinal, além de fazerem lei entre as partes, repercutem no seio social.
A decisão judicial, se feita por quem conheça o mínimo de lógica, filosofia e, claro!, o direito, não deve ser furtiva a esse fundamento, considerando que o magistrado é um hermeneuta e não um simplório aplicador da lei, sob pena da letra fria e seca da lei servir de instrumento para a perpetuação do vício, do erro e até da bandidagem.

Usar como escudo de isopor, por exemplo, os propalados princípios do devido processo legal e o da ampla defesa, larga e abusivamente manejados desconsiderando outros muito mais relevantes para a realização da justiça, como moralidade, transparência, interesse público... é renegar o direito a uma oficina mecânica.

Decidir, como decidiu o STF, a respeito da competência das câmaras municipais para julgar as contas do prefeito, retrocedendo a um status jurídico superado pela realidade, é sacrificar a justiça e adorar a lei como se ela fosse uma estátua de gesso.


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