terça-feira, 7 de novembro de 2017

405 anos das Leis fundamentais decretadas na Ilha do Maranhão; Primeira manifestação constitucional do continente americano

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Por Antonio Noberto

Terça-Feira, 07  de novembro de 2017


No dia 1º de novembro de 1612 foram promulgadas pelos franceses as Leis fundamentais decretadas na Ilha do Maranhão, que passou para a história como a Primeira Constituição da América, publicada por Daniel de La Touche de la Ravardière e François de Razilly na Praça do Forte, em São Luís, então capital da França Equinocial, território que, extraoficialmente, estendia-se do Ceará à região amazônica.

 A generosidade gaulesa em escrever e divulgar a população, a fauna, a flora e o território recém-conquistado, além de confeccionar mapas da região, permitiu que a fundação de São Luís ficasse conhecida como uma fundação letrada, muito em razão da maior afinidade às letras que às armas. Os súditos de Henrique IV (idealizador da Colônia) e de Luís XIII (realizador), especialmente os capuchinhos e cronistas Claude d’Abbeville e Ives d’Evreux, que escreveram as primeiras obras sobre a região, deram fartos e promitentes indicativos do futuro que desenhavam para a região. 

A promulgação das Leis fundamentais decretadas na Ilha do Maranhão e todas as generosidades no trato e na relação com os nativos confirmavam o norte promissor desta terça parte do Brasil, o que justifica a frase do maior poeta brasileiro, Antonio Gonçalves Dias: “(...) a expulsão dos franceses levou consigo muitas esperanças”.

Por outro lado, as coroas ibéricas expediam carta aos aventureiros e descobridores, que estabeleciam um conjunto de normas a serem adotadas no trato com os nativos, tudo baseado nas leis vigentes nas cortes de Portugal e Espanha. 

Sobre o tema, o professor, Doutor e ex-Procurador Geral do estado do Maranhão, José Claudio Pavão Santana, defendeu na sua tese de doutorado na PUC-SP no ano de 2008, que tais “conquistadores não dispunham de qualquer competência para elaborar normas que pudessem ser consideradas, ao menos no continente americano, como tendo sido por si elaboradas. E isto é o que difere a descoberta (francesa) do Maranhão”. Tempos depois a tese foi ampliada e publicada com o título O pré-constitucionalismo na América, trabalho que mostra cientificamente a precedência dos gauleses no tema.
O conjunto de regras instituídos na cidadela de Saint-Louis (atual Praça Pedro II) organizava política e juridicamente o estado e a convivência na França Equinocial. A promulgação foi, na verdade, a materialização do pacto feito entre os expedicionários no porto de la Houle, na pequenina cidade de Cancale, na Bretanha, que prometiam “observar o que for necessário ao bem da colônia”, conforme narra Abeville na obra História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, publicada em 1614 em Paris.

O conjunto de Leis é um misto de verdades e de conhecimentos da antiguidade e do período medieval, como a Lei de Talião, que pregava “Olho por olho e dente por dente”, e do teocentrismo medieval, revelado na primeira parte do documento. A segunda parte reza sobre a honra e obediência ao Rei da França, personificado em especial nos líderes La Touche, Razilly e Harlay, e a terceira e última regia a convivência na colônia, que, dentre outras coisas, visava a ordem e o “sossego público”. Observa-se o adiantamento civilizatório do modelo recém implantado no Maranhão, denotado nas Leis, que apesar de prever a efetividade e reciprocidade do “olho por olho”, apresentava cláusulas e normas bem adiantadas para a época, como as que previam o sossego público, o meio ambiente e a dignidade da pessoa humana.

A única reprodução conhecida das Leis fundamentais faz parte do acervo da Exposição França Equinocial para sempre, em cartaz no Forte de Santo Antonio, na Ponta da Areia, em São Luís.

*Pesquisador, curador da Exposição França Equinocial para sempre, membro-fundador da Academia Ludovicense de Letras e sócio efetivo do IHGM

Fragmentos das Leis Fundamentais decretadas no Maranhão em 1612

Em nome de Sua Majestade, Nós, Daniel de La Touche, Cavaleiro e Senhor de La Ravardière, François de Razilly, também Cavaleiro, Senhor do dito lugar e de Aunelles, procurador do alto e poderoso Senhor Nicolas de Harlay, Cavaleiro, Senhor de Sancy, Barão de Molle e Gros-Bois, Conselheiro de Estado e do Conselho Privado do Rei, loco-tenentes-generais de Sua Majestade nas Índias Ocidentais – tendo empreendido, por graça de Deus, o estabelecimento de uma colônia francesa no Maranhão e terras adjacentes (...) reconhecendo a graça, a bondade e a misericórdia demonstradas por Deus ao conduzir-nos tão felizmente a bom porto, começaremos pelas ordenações que dizem especialmente respeito a sua honra e a sua glória:
(...)
I – honra a Deus
 - ordenamos, pois, expressamente, a todos, quaisquer que sejam qualidades e condições, que temam, sirvam e honrem a Deus, observem seus santos mandamentos e prometam não estimar nem empregar senão os que souberem ter essa santa e reta intenção;
 (...)
II – Honra ao rei
- Depois do estabelecido nos artigos supracitados o que diz respeito principalmente à glória de Deus, determinamos agora o que se relaciona com a honra de nosso Rei, o qual houve por bem distinguir-nos com sua escolha para representá-lo neste país. Ordenamos, pois, que ninguém atente contra nossas pessoas ou contra a vida da colônia, por meio de parricídios, atentados, traições, monopólios, discursos feitos no intento de desgostar os habitantes, e cousas semelhantes, e isso sob pena de ser o infrator considerado criminoso de lesa-majestade e condenado à morte, sem esperança de remissão;
- ordenamos expressamente aos que tiverem conhecimentos de atos tão perniciosos que os revelem incontinenti, sob pena de igual castigo.
(...)
III – Convivência na Colônia
- Depois de estabelecido o que diz respeito à honra e ao serviço do Rei, representado em nossas pessoas, assim como ao bem-estar e á segurança desta colônia, ordenamos, para manutenção desta companhia e da sociedade, que vivam todos em paz e amizade, respeitem-se mutuamente, segundo as condições e qualidades pessoais, e desculpem uns aos outros suas fraquezas, como Deus manda, e isso sob pena de serem considerados perturbadores do sossego público;

- ordenamos que quem quer se encontre furtando, seja, da primeira vez, açoitado ao pé da forca, ao som da corneta e sirva durante um ano nas obras públicas, com perda, nesse espaço de tempo, de todas as dignidades, salários e proveitos; da segunda vez, seja o infrator enforcado.

- ordenamos que não se cometa adultério, por amor ou violência, com as mulheres dos índios, sob pena de morte, pois seria isso não só a ruína da alma do criminoso, mas também a da colônia; igualmente ordenamos, sob pena idêntica, que não se violentem as mulheres solteiras;
- proibimos ainda quaisquer roubos contra os índios, seja de suas roças, seja de outras co
isas que lhes pertençam, sob as penas supramencionadas.

E para que tudo fique claro e bem acertado de uma vez por todas, ordenamos sejam essas ordenações lidas e tornadas públicas na presença de todos e registradas como leis fundamentais e invioláveis na Secretaria Geral deste Estado e colônia, para serem consultadas quando necessário. Em testemunho do que, assinamos as presentes ordenações com o nosso próprio punho; e serão subscritas por um de nossos conselheiros, secretário ordinário. 

Forte de São Luís, Maranhão, dia de Todos os Santos, 1º de novembro, ano da graça de 1612, (aa) Ravardière – Razilly. Pelos meus senhores: (a) Abraão.

Fotos de Gilson Ferreira/ edição Portal CN1

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